Continuando
a série de postagens sobre pesquisas de ponta na área de direito (Parte 1 aqui), trago novos
exemplos que merecem nossa atenção – dessa vez internacionais.
Um
exemplo notável de grande área interdisciplinar é a interseção entre direito,
lógica, inteligência artificial (IA) e informática, cujas repercussões práticas
prometem mudar radicalmente a profissão jurídica. A primeira conferência
internacional sobre direito e IA ocorreu em Boston, EUA, em 1987, isto é, bem
antes da rede mundial de internet. De lá para cá a IA tem avançado: o
escritório de advocacia Hodge Jones &
Allen, em Londres, Inglaterra, é um dos pioneiros em usar um modelo
preditivo para o resultado de casos, a fim de avaliar a viabilidade de dar
andamento a processos jurídicos; a empresa forneceu a Andrew Chesher, professor
da University College London, uma
série de dados sobre os resultados de 600 casos concluídos em doze meses; ele
usou uma combinação de técnicas estatísticas para analisar os fatores que contribuem
para que os casos sejam ganhos ou perdidos, os danos assumidos pelos requerentes
em casos de sucesso e os custos recebidos pela empresa. Não muito longe dali o Agent Applications, Research and Technology
(Agent ART) Group, da Liverpool
University, está desenvolvendo formas de aplicar a IA ao campo jurídico,
como o processamento de textos, busca e análise de dados, automatizando a
rotina de tarefas jurídicas, tornando sua execução mais rápida e barata.[1]
Os
estudos em direito, lógica, IA e informática ganharam tanto relevo, que a Stanford University possui um centro de
estudos apenas para isso: The Stanford
Center for Legal Informatics (CodeX), operado conjuntamente pela Stanford Law School e pelo Stanford Computer Science Department.[2]
Outro
campo interdisciplinar relacionado ao departamento de direito e à profissão
jurídica que tem se mostrado produtivo é o Law
and Economics Movement ou Análise Econômica do Direito[3]. A
ideia central é aplicar os conceitos e os estudos econômicos, incluindo
ferramentas matemáticas, para compreender, descrever e melhorar as práticas
jurídicas. A ideia geral da maioria das análises econômicas é traçar as
consequências de assumir que as pessoas são mais ou menos racionais em suas
interações sociais – em regra, buscando seus objetivos e tentando maximizar
seus benefícios e minimizar seus custos. No caso de atividades jurídicas, essas
pessoas podem ser criminosos, promotores, partes no processo, contribuintes,
auditores fiscais, trabalhadores – ou até estudantes de direito. Ou seja,
análises econômicas vão muito além de dinheiro e capitalismo; elas são amplas o
bastante para serem uma investigação do comportamento humano, razão pela qual
têm afinidades com a teoria dos jogos. As pesquisas nessa área já são tão
reconhecidas, que a The University of
Chicago mantém um periódico dedicado apenas ao campo, The Journal of Law and Economics[4]. A
faculdade de direito dessa universidade, inclusive, se destaca por ter um
programa interdisciplinar que assume explicitamente que o estudo do direito não é uma disciplina autônoma: desde o
primeiro dia de aula os estudantes dessa instituição tem sua atenção dirigida a
insights das ciências sociais, das
humanidades, e das ciências naturais[5].
Por
fim, quero mencionar uma última área de interseção: direito e neurociências.
Financiada pela John D. and Catherine T.
MacArthur Foundation, o Research
Network on Law and Neuroscience, da Vanderbilt
University, é um centro de pesquisa que investiga problemas que se
encontram entre a neurociência e a justiça criminal: 1) investiga estados
mentais relevantes ao direito e processos de tomada de decisão em advogados,
testemunhas, jurados e juízes; 2) investiga em adolescentes a relação entre o
desenvolvimento do cérebro e as capacidades cognitivas; e 3) avalia a melhor
forma de fazer inferências sobre os indivíduos a partir de dados
neurocientíficos baseadas em grupos[6].
Outras questões desse campo interdisciplinar incluem: (a) Trata-se de uma
legítima defesa alegar que um tumor ou uma lesão cerebral atenua um crime? (b)
como os cérebros de menores diferem dos cérebros de adultos em sua capacidade
de tomada de decisões e controle dos impulsos? (c) pode a neurociência informar
normas de condenação, oferecendo uma melhor previsão de reincidência? (d) podem
as novas tecnologias de imagem cerebral ser aproveitadas para novos métodos de
reabilitação? (e) quem deve ter acesso a informações sobre nossos cérebros? (f)
como deve o júri avaliar a culpabilidade quando a maioria dos comportamentos
são movidos por sistemas inconscientes do cérebro?[7]
Essas e outras questões nada triviais e bastante complexas estão muito longe de
serem respondidas por qualquer pesquisa que tenha (até hoje) se apresentado
como especificamente jurídica, como a dogmática jurídica, e, no entanto, são
perguntas da mais alta relevância para a sociedade e para o direito.
[1]
CROSS, Michael. Role of Artificial
Intelligence in Law. Published February 19, 2015, em <http://raconteur.net/business/time-for-technology-to-take-over>.
Acesso em 5 de fevereiro
de 2016.
[2] Detalhes sobre o centro de
estudos no site da instituição: <http://codex.stanford.edu/>. Acesso em
5 de fevereiro de 2016.
[3] POSNER, Richard. Values and
Consequences: An Introduction to Economic Analysis of Law. In: JOHN M. OLIN
LAW & ECONOMICS WORKING PAPER NO. 53, 1988. Disponível em <http://www.law.uchicago.edu/files/files/53.Posner.Values_0.pdf>.
Acesso em 5 de
fevereiro de 2016.
Mais sobre a análise econômica do direito, os
verbetes The Economic Analysis of Law
e Law and Economics, respectivamente,
na Stanford Encyclopedia of Philosophy
e na Internet Encyclopedia of Philosophy,
cujos endereços, respectivamente, são: <http://plato.stanford.edu/index.html> e <http://www.iep.utm.edu/>. Acesso em 5 de fevereiro de
2016.
[4] Detalhes sobre o periódico em
<http://www.journals.uchicago.edu/toc/jle/current>. Acesso em 5 de fevereiro de
2016.
[5] Detalhes sobre o programa
interdisciplinar da Universidade de Chicago: <http://www.law.uchicago.edu/projects/interdisciplinary>. Acesso em 5 de fevereiro de
2016.
[6] Detalhes sobre o Research Network on Law and Neuroscience:
<http://www.lawneuro.org/>. Acesso em 5 de fevereiro de
2016.
[7] EAGLEMAN, David M. Neuroscience and the law. Houston
Lawyer 16.6 (2008): 36-40. Disponível em <http://www.thehoustonlawyer.com/aa_mar08/page36.htm>. Acesso em 5 de fevereiro de
2016.