Na última
postagem, disse que ensinar e pesquisar, não só em direito, mas em qualquer
área, exigem o domínio do inglês, pois este é o idioma acadêmico universal nos
dias de hoje. No entanto, há situações em que o conhecimento do inglês é
necessário, mas não suficiente, quando o assunto é ensino e pesquisa de certas
matérias ou áreas. Em outras palavras, em alguns casos, saber inglês é o mínimo
e outros idiomas são também exigidos para que se possa fazer um bom trabalho.
Se alguém pretende estudar
e pesquisar seriamente sobre a vida e a obra de um autor qualquer, digamos
Immanuel Kant, Karl Marx ou Max Weber, essa pessoa precisa conhecer, além do
inglês, o idioma materno do autor ou a língua em que ele escreveu suas obras – nos
casos citados, o alemão. Do contrário, o trabalho feito dificilmente será mais
do que produto de um amador na área. As razões para isso são várias:
(1) O acesso aos originais
é fundamental à compreensão detalhada na obra de um autor. Quase nunca um autor
tem toda a sua obra traduzida para o idioma do pesquisador – geralmente, apenas
as obras mais famosas são traduzidas. Sem o acesso à obra completa (ou ao menos
a maior parte dela), não é possível fazer um trabalho sobre um autor específico
sem que haja graves lacunas: livros, papers
ou anotações menos conhecidos podem eventualmente ficar de fora do estudo, pelo
simples desconhecimento do idioma em que foram escritos.
(2) Traduções são
necessariamente textos de segunda mão, interpretações feitas sobre uma obra: de
certa forma, são textos sobre textos. Martin Heidegger e James Joyces, por
exemplo, inventaram muitas palavras novas e, por isso, traduções de suas obras
são sempre problemáticas. Neste
link é possível conferir duas traduções diferentes de um trecho do romance Finnegans Wake (1939), de Joyce, e
perceber como são radicalmente distintas.
(3) Em muitos casos, a
bibliografia secundária, isto é, os comentários sobre a obra de um autor, é
amplamente escrita no idioma em que a obra foi publicada – por razões óbvias.
Isso vale especialmente para os comentários feitos pelos contemporâneos de um
autor e quando o autor já morreu há algum tempo. Hoje, por exemplo, existe uma
enorme quantidade de literatura secundária em inglês sobre a obra de Hegel; porém,
os primeiros interlocutores de Hegel escreveram em alemão. Um trabalho sobre
Hegel que ignore uma parte importante sobre as discussões de sua obra será
necessariamente lacunoso, correrá o risco de apresentar velhas ideias como se
novas fossem, e aparecerá como amadorismo aos olhos dos scholars (especialistas) em Hegel.
Não só é necessário ter
conhecimentos de outros idiomas quando se estuda certos autores, mas também
quando se estuda certas matérias e questões. Não é possível pesquisar seriamente
sobre direito islâmico sem conhecer árabe; um bom exemplo é o professor Salem
Hikmat Nasser, da Escola de Direito da FGV-SP, que escreve sobre direito
internacional, inclusive direito islâmico; seus trabalhos (este
paper é um exemplo) contém
referências em árabe, além de inglês e outros idiomas.
História do direito é
outra área que geralmente exige conhecimentos de alguns idiomas a mais: como
durante a Idade Média o latim era a língua europeia mais importante, o
conhecimento de latim é essencial para o acesso aos textos originais daquela
época. Francês e alemão são seguramente línguas essenciais quando se estuda o
desenvolvimento histórico do direito europeu durante a Idade Moderna. Nesse campo, Paolo
Grossi é uma atual referência internacional.
Igualmente, tanto o
estudo de autores como Aristóteles quanto estudo da civilização grega exigem a
capacidade de ler em grego (e possivelmente em latim). Textos antigos ou o
estudo de civilizações antigas exigem ainda mais a compreensão do seu
idioma original. Isso não quer dizer que alguém não possa, por exemplo, estudar
Aristóteles em português e até mesmo escrever algo de valor a partir disso; no
entanto, o alcance desse estudo é inerentemente limitado e alguém que
desconheça grego não pode esperar, por exemplo, fazer um doutorado sobre o conceito
de justiça em Aristóteles sem parecer um amador para os especialistas no
assunto – que formam uma comunidade internacional.