Em outra postagem, falei
sobre erros
amadores na produção acadêmica. Em uma série de duas postagens, ataquei a
ideia de pesquisa puramente jurídica, a fim de desestimular a associação entre escrever
trabalhos doutrinários e fazer pesquisa em direito – ver parte
1 e parte
2. A fim de apresentar novas possibilidades, mostrei exemplos de pesquisas
de ponta em direito – ver aqui
e aqui.
Nesta postagem, baseado em minha própria experiência, darei algumas dicas
práticas para quem quer fazer pesquisa séria em direito seguindo esse viés
interdisciplinar. Digo “séria” para diferenciar de trabalhos amadores, e isso
ficará mais claro adiante.
1. O treinamento
jurídico, na maior parte das escolas de direito do Brasil, é bastante precário
para efeito de pesquisa. Por isso, se um estudante ou professor de direito
deseja pesquisar seriamente, de início uma das melhores alternativas contra
esse problema é tentar se aproximar de pesquisadores de outros departamentos da
própria universidade, buscando parcerias. Um estudante de direito pode integrar-se
a um grupo de pesquisa do departamento de sociologia ou ciência política, a fim
estudar a relação entre a produção legislativa penal e a criminalidade em dado
estado ou cidade. Esse estudante pode eventualmente conseguir ser bolsista de
iniciação científica e ser orientado por um professor desse departamento. Já
professores de direito têm vantagens institucionais e podem até mesmo buscar
abrir, junto ao CNPq, grupos de pesquisa interdisciplinares, agregando
estudantes e professores de vários departamentos diferentes. Por exemplo, um
grupo de pesquisa cujo tema geral seja “Direito e Sociedade da Informação” pode
ter linhas de pesquisa que incluam pesquisadores de sociologia, especializados
no entendimento das implicações sociais de uma sociedade tão informatizada como
a nossa; pode agregar pesquisadores de ciência da computação, que podem ajudar
a criar soluções computacionais para problemas da área jurídica; entre outras
possibilidades de linhas de pesquisa e parcerias. A interação entre pessoas de diferentes
campos pode ser extremamente frutífera.
2. Se você é estudante de
direito e tem algum interesse em pesquisa, busque fazer iniciação científica,
mesmo se não conseguir bolsa. Ainda que não venha a fazer mestrado ou doutorado
no futuro, a experiência com pesquisa será de utilidade geral e também vai lhe
ajudar a decidir se realmente gosta daquilo. Porém, para não ter uma ideia
equivocada do que é pesquisa, siga a primeira dica. Caso contrário, você
correrá o risco de ser pessimamente orientado por um professor de direito que nem
faz ideia do que seja pesquisa.
3. Alguns bons estudantes
de direito, indignados com a má qualidade do curso, podem querer criar grupos
de estudo e até levar adiante pesquisas por conta própria, ignorando o
orientador relapso. Embora haja aí uma atitude bem intencionada e uma
demonstração de iniciativa, há grande risco de incorrer em amadorismo: grupos
de estudo totalmente desorientados por especialistas ou pelo menos por um
professor mais bem entendido do assunto enfrentarão dificuldades diversas,
desde a escolha da bibliografia até o entendimento e interpretação de conceitos
e argumentos elementares; já a pesquisa autossuficiente, desorientada (mesmo
que haja um orientador formal), também enfrentará esses problemas e ainda
correrá o risco de eventualmente produzir publicações e apresentações amadoras.
Nesse contexto, as discussões dos grupos acabam num nível muito superficial, em
que cada um pode ter uma opinião (a depender do tema), e ninguém sabe dizer o
estado da arte em que se encontram os debates. Esses pesquisadores autossuficientes
(de graduação, mestrado ou doutorado) terão um estresse imenso, se quiserem
tentar produzir algo de valor, e muito provavelmente produzirão um trabalho
cheio de lacunas e erros, que um especialista facilmente identificaria e
poderia corrigir.
4. Tenha perguntas.
Pode ser uma única pergunta, que certamente pode se desdobrar em outras. As pesquisas
acadêmicas buscam alcançar objetivos ou responder perguntas. A partir delas
coisas como as abordagens, métodos e dados são escolhidos, porque essas coisas
servem para responder as perguntas – embora exista uma discussão complicada
sobre o fato de que algumas perguntas só fazem sentido dentro de um contexto teórico
específico, mas isso não vem ao caso agora. Por exemplo, eu fiz uma pequena pesquisa,
que incluí em minha dissertação, que tentava responder o seguinte: “Hoje a
produção científica brasileira da Área do Direito adquiriu inserção e
respeitabilidade internacionais”? Esse enunciado foi tirado do “Documento de
Área” da Avaliação Trianual (2013) da Capes. Para responde-la, traduzi a
pergunta em outras, mais facilmente verificáveis: Existe elevado número de
publicações e participações de pesquisadores brasileiros da área de direito no
exterior, em periódicos internacionais reconhecidos? Existem muitas citações
feitas por pesquisadores estrangeiros de trabalhos publicados por pesquisadores
brasileiros em periódicos reconhecidos? Note que a pergunta inicial, um tanto
vaga, adquiriu um pouco mais de exatidão na medida em que agora podemos procurar
por dados empíricos e numéricos (a quantidade de publicações e citações).
VEJA TAMBÉM: Diminuindo as deficiências da formação jurídica para pesquisa
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