sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Dicas práticas para fazer pesquisa séria em direito


Em outra postagem, falei sobre erros amadores na produção acadêmica. Em uma série de duas postagens, ataquei a ideia de pesquisa puramente jurídica, a fim de desestimular a associação entre escrever trabalhos doutrinários e fazer pesquisa em direito – ver parte 1 e parte 2. A fim de apresentar novas possibilidades, mostrei exemplos de pesquisas de ponta em direito – ver aqui e aqui. Nesta postagem, baseado em minha própria experiência, darei algumas dicas práticas para quem quer fazer pesquisa séria em direito seguindo esse viés interdisciplinar. Digo “séria” para diferenciar de trabalhos amadores, e isso ficará mais claro adiante.

1. O treinamento jurídico, na maior parte das escolas de direito do Brasil, é bastante precário para efeito de pesquisa. Por isso, se um estudante ou professor de direito deseja pesquisar seriamente, de início uma das melhores alternativas contra esse problema é tentar se aproximar de pesquisadores de outros departamentos da própria universidade, buscando parcerias. Um estudante de direito pode integrar-se a um grupo de pesquisa do departamento de sociologia ou ciência política, a fim estudar a relação entre a produção legislativa penal e a criminalidade em dado estado ou cidade. Esse estudante pode eventualmente conseguir ser bolsista de iniciação científica e ser orientado por um professor desse departamento. Já professores de direito têm vantagens institucionais e podem até mesmo buscar abrir, junto ao CNPq, grupos de pesquisa interdisciplinares, agregando estudantes e professores de vários departamentos diferentes. Por exemplo, um grupo de pesquisa cujo tema geral seja “Direito e Sociedade da Informação” pode ter linhas de pesquisa que incluam pesquisadores de sociologia, especializados no entendimento das implicações sociais de uma sociedade tão informatizada como a nossa; pode agregar pesquisadores de ciência da computação, que podem ajudar a criar soluções computacionais para problemas da área jurídica; entre outras possibilidades de linhas de pesquisa e parcerias. A interação entre pessoas de diferentes campos pode ser extremamente frutífera.

2. Se você é estudante de direito e tem algum interesse em pesquisa, busque fazer iniciação científica, mesmo se não conseguir bolsa. Ainda que não venha a fazer mestrado ou doutorado no futuro, a experiência com pesquisa será de utilidade geral e também vai lhe ajudar a decidir se realmente gosta daquilo. Porém, para não ter uma ideia equivocada do que é pesquisa, siga a primeira dica. Caso contrário, você correrá o risco de ser pessimamente orientado por um professor de direito que nem faz ideia do que seja pesquisa.

3. Alguns bons estudantes de direito, indignados com a má qualidade do curso, podem querer criar grupos de estudo e até levar adiante pesquisas por conta própria, ignorando o orientador relapso. Embora haja aí uma atitude bem intencionada e uma demonstração de iniciativa, há grande risco de incorrer em amadorismo: grupos de estudo totalmente desorientados por especialistas ou pelo menos por um professor mais bem entendido do assunto enfrentarão dificuldades diversas, desde a escolha da bibliografia até o entendimento e interpretação de conceitos e argumentos elementares; já a pesquisa autossuficiente, desorientada (mesmo que haja um orientador formal), também enfrentará esses problemas e ainda correrá o risco de eventualmente produzir publicações e apresentações amadoras. Nesse contexto, as discussões dos grupos acabam num nível muito superficial, em que cada um pode ter uma opinião (a depender do tema), e ninguém sabe dizer o estado da arte em que se encontram os debates. Esses pesquisadores autossuficientes (de graduação, mestrado ou doutorado) terão um estresse imenso, se quiserem tentar produzir algo de valor, e muito provavelmente produzirão um trabalho cheio de lacunas e erros, que um especialista facilmente identificaria e poderia corrigir.

4. Tenha perguntas. Pode ser uma única pergunta, que certamente pode se desdobrar em outras. As pesquisas acadêmicas buscam alcançar objetivos ou responder perguntas. A partir delas coisas como as abordagens, métodos e dados são escolhidos, porque essas coisas servem para responder as perguntas – embora exista uma discussão complicada sobre o fato de que algumas perguntas só fazem sentido dentro de um contexto teórico específico, mas isso não vem ao caso agora. Por exemplo, eu fiz uma pequena pesquisa, que incluí em minha dissertação, que tentava responder o seguinte: “Hoje a produção científica brasileira da Área do Direito adquiriu inserção e respeitabilidade internacionais”? Esse enunciado foi tirado do “Documento de Área” da Avaliação Trianual (2013) da Capes. Para responde-la, traduzi a pergunta em outras, mais facilmente verificáveis: Existe elevado número de publicações e participações de pesquisadores brasileiros da área de direito no exterior, em periódicos internacionais reconhecidos? Existem muitas citações feitas por pesquisadores estrangeiros de trabalhos publicados por pesquisadores brasileiros em periódicos reconhecidos? Note que a pergunta inicial, um tanto vaga, adquiriu um pouco mais de exatidão na medida em que agora podemos procurar por dados empíricos e numéricos (a quantidade de publicações e citações).

VEJA TAMBÉM: Diminuindo as deficiências da formação jurídica para pesquisa