Em postagens anteriores (aqui
e aqui),
mencionei que, em regra, é amadorismo ensinar e pesquisar, em qualquer área,
sem ter conhecimentos básicos de inglês (isto é, ao menos ser capaz de ler a
literatura da área), além de ser igualmente amador ensinar e pesquisar certos
assuntos sem saber idiomas específicos. Agora vou falar sobre mais alguns erros
amadores na produção acadêmica, especialmente da área de direito, e sobre como evita-los.
Todos os erros listados são baseados em casos reais que já encontrei.
1. Fontes ruins de
pesquisa: Usar como fonte de pesquisa textos de portais como
Jus Navigandi e similares é um erro, porque esses sites mantêm perfis e textos
de usuários sem qualquer revisão ou critério de seleção: basta se cadastrar e
publicar seus textos. Talvez seja possível encontrar algum texto de qualidade,
mas o formato favorece a publicação amadora, e podemos dizer que citar textos
dessas fontes é como citar textos de redes sociais. O ideal é ter como fonte
primária de pesquisa bibliográfica artigos (papers)
publicados em periódicos internacionalmente reconhecidos em sua área e mantêm como
critério de seleção um sistema de revisão por pares (peer review). A avaliação dos artigos da revista Nature, por exemplo, funciona dessa
forma.
2. Fontes de segunda mão:
Esse erro é semelhante ao anterior; talvez seja um caso particular do uso de
fontes ruins; ocorre quando alguém cita um texto que fala de outro texto (a
fonte primária), quando o ideal seria ter acesso à fonte primária. Li um artigo
que mencionava uma pesquisa sobre como impulsos eletromagnéticos dados no
cérebro interferiam na avaliação moral; o problema é que o autor mencionava não
o trabalho científico que apresentava essa pesquisa, mas, sim, uma notícia de
jornal que falava do assunto, o que obviamente não é o ideal.
3. Adjetivações e louvor:
Naturalmente há autores e trabalhos que admiramos, e outros que desprezamos.
Mas a publicação acadêmica deve omitir adjetivações como “o grande jurista
austríaco”, “o muito imitado, mas jamais igualado...”, “o genial autor de...”, “o
brilhante...”, etc. Esse tipo de
louvação é inútil para a avaliação do trabalho, não acrescenta mais que uma
impressão muito pessoal, e soa como se o autor quisesse “puxar o saco” de
alguém. Para trabalhos acadêmicos, a concisão e a simplicidade devem ser a
regra, principalmente porque o tempo dos leitores deve ser respeitado e é
precioso.
4. Afirmações ousadas ou
não triviais sem suporte: Esse é um dos erros mais frequentes;
o autor faz afirmações não triviais, que podem até ser senso comum, mas que não
têm nenhum suporte de pesquisas sérias sobre o assunto. Por exemplo, dizer que
a “Lei Maria da Penha” foi um grande avanço no combate à violência contra a
mulher; embora talvez parte do senso comum, inclusive entre profissionais de
direito, essa afirmação é desmentida pelos dados disponíveis: Uma pesquisa do
Ipea chamada “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil” (2013) mostra
que o advento dessa lei não diminuiu o número de morte de mulheres por
violência; outra pesquisa, independente, conhecida como “Mapa da violência
2012: atualização: homicídio de mulheres no Brasil”, organizada por Julio
Jacobo Waiselfisz, chega aos mesmos resultados: “No primeiro ano de vigência
efetiva da lei Maria da Penha3, 2007, as taxas experimentam um leve decréscimo,
voltando imediatamente a crescer de forma rápida até o ano 2010, último dado
atualmente disponível, igualando o máximo patamar já observado no país: o de
1996.”. Ambos os trabalhos estão facilmente disponíveis na internet. E quanto
maior a ousadia ou pretensão da afirmação, maior a necessidade de evidências
que a suportem.
Talvez eu volte a esse
assunto em outra postagem.
Para mim, essa questão das afirmações ousadas sem suporte é um dos maiores problemas da pesquisa jurídica. Os alunos e professores de direito querem ter opinião sobre tudo, mas muitas vezes as opiniões são meros "palpites". É muito comum, por exemplo, que os professores exijam que os alunos cheguem a conclusões em suas monografias sobre temas complexos, quando, na verdade, o estudo de uma monografia não é suficiente para chegar à conclusão que o professor pretende.
ResponderExcluirFalo isso por experiência própria, pois minha monografia foi criticada por apenas descrever o problema e descrever o posicionamento dos ministros do STF sobre o tema, sem chegar a uma conclusão pessoal. No entanto, uma conclusão fundamentada sobre o tema exigiria um estudo muito aprofundado, além de páginas e páginas de texto, o que fugiria à intenção de uma monografia. Os próprios professores demonstraram ter uma opinião sobre o tema, opinião essa pouco fundamentada.
Essa é a mania dos juristas quererem ter solução para tudo.
Você tem razão. E também sou testemunha dessas exigências por conclusões na graduação.
ResponderExcluirPresumo que isso acontece porque, por um lado, uma formação adequada à pesquisa séria é carente na maioria dos cursos de direito (em parte, pela própria concepção de pesquisa dominante, que vê na dogmática jurídica o paradigma da pesquisa em direito, excluindo como "não jurídica" outras formas de pesquisa) e, por outro lado, porque, como os professores tiveram essa formação carente, eles tendem a exigir as mesmas exigências que fizeram dele em sua educação - o que forma um círculo vicioso.
Espero falar mais em algum momento sobre os problemas da formação em direito, para os interessados em fazer pesquisa, e como contornar essas dificuldades.