quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Erros Amadores na Produção Acadêmica

Em postagens anteriores (aqui e aqui), mencionei que, em regra, é amadorismo ensinar e pesquisar, em qualquer área, sem ter conhecimentos básicos de inglês (isto é, ao menos ser capaz de ler a literatura da área), além de ser igualmente amador ensinar e pesquisar certos assuntos sem saber idiomas específicos. Agora vou falar sobre mais alguns erros amadores na produção acadêmica, especialmente da área de direito, e sobre como evita-los. Todos os erros listados são baseados em casos reais que já encontrei.

1. Fontes ruins de pesquisa: Usar como fonte de pesquisa textos de portais como Jus Navigandi e similares é um erro, porque esses sites mantêm perfis e textos de usuários sem qualquer revisão ou critério de seleção: basta se cadastrar e publicar seus textos. Talvez seja possível encontrar algum texto de qualidade, mas o formato favorece a publicação amadora, e podemos dizer que citar textos dessas fontes é como citar textos de redes sociais. O ideal é ter como fonte primária de pesquisa bibliográfica artigos (papers) publicados em periódicos internacionalmente reconhecidos em sua área e mantêm como critério de seleção um sistema de revisão por pares (peer review). A avaliação dos artigos da revista Nature, por exemplo, funciona dessa forma.

2. Fontes de segunda mão: Esse erro é semelhante ao anterior; talvez seja um caso particular do uso de fontes ruins; ocorre quando alguém cita um texto que fala de outro texto (a fonte primária), quando o ideal seria ter acesso à fonte primária. Li um artigo que mencionava uma pesquisa sobre como impulsos eletromagnéticos dados no cérebro interferiam na avaliação moral; o problema é que o autor mencionava não o trabalho científico que apresentava essa pesquisa, mas, sim, uma notícia de jornal que falava do assunto, o que obviamente não é o ideal.

3. Adjetivações e louvor: Naturalmente há autores e trabalhos que admiramos, e outros que desprezamos. Mas a publicação acadêmica deve omitir adjetivações como “o grande jurista austríaco”, “o muito imitado, mas jamais igualado...”, “o genial autor de...”, “o brilhante...”, etc. Esse tipo de louvação é inútil para a avaliação do trabalho, não acrescenta mais que uma impressão muito pessoal, e soa como se o autor quisesse “puxar o saco” de alguém. Para trabalhos acadêmicos, a concisão e a simplicidade devem ser a regra, principalmente porque o tempo dos leitores deve ser respeitado e é precioso.

4. Afirmações ousadas ou não triviais sem suporte: Esse é um dos erros mais frequentes; o autor faz afirmações não triviais, que podem até ser senso comum, mas que não têm nenhum suporte de pesquisas sérias sobre o assunto. Por exemplo, dizer que a “Lei Maria da Penha” foi um grande avanço no combate à violência contra a mulher; embora talvez parte do senso comum, inclusive entre profissionais de direito, essa afirmação é desmentida pelos dados disponíveis: Uma pesquisa do Ipea chamada “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil” (2013) mostra que o advento dessa lei não diminuiu o número de morte de mulheres por violência; outra pesquisa, independente, conhecida como “Mapa da violência 2012: atualização: homicídio de mulheres no Brasil”, organizada por Julio Jacobo Waiselfisz, chega aos mesmos resultados: “No primeiro ano de vigência efetiva da lei Maria da Penha3, 2007, as taxas experimentam um leve decréscimo, voltando imediatamente a crescer de forma rápida até o ano 2010, último dado atualmente disponível, igualando o máximo patamar já observado no país: o de 1996.”. Ambos os trabalhos estão facilmente disponíveis na internet. E quanto maior a ousadia ou pretensão da afirmação, maior a necessidade de evidências que a suportem.


Talvez eu volte a esse assunto em outra postagem.