quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Quando o domínio do inglês não basta

Na última postagem, disse que ensinar e pesquisar, não só em direito, mas em qualquer área, exigem o domínio do inglês, pois este é o idioma acadêmico universal nos dias de hoje. No entanto, há situações em que o conhecimento do inglês é necessário, mas não suficiente, quando o assunto é ensino e pesquisa de certas matérias ou áreas. Em outras palavras, em alguns casos, saber inglês é o mínimo e outros idiomas são também exigidos para que se possa fazer um bom trabalho.

Se alguém pretende estudar e pesquisar seriamente sobre a vida e a obra de um autor qualquer, digamos Immanuel Kant, Karl Marx ou Max Weber, essa pessoa precisa conhecer, além do inglês, o idioma materno do autor ou a língua em que ele escreveu suas obras – nos casos citados, o alemão. Do contrário, o trabalho feito dificilmente será mais do que produto de um amador na área. As razões para isso são várias:

(1) O acesso aos originais é fundamental à compreensão detalhada na obra de um autor. Quase nunca um autor tem toda a sua obra traduzida para o idioma do pesquisador – geralmente, apenas as obras mais famosas são traduzidas. Sem o acesso à obra completa (ou ao menos a maior parte dela), não é possível fazer um trabalho sobre um autor específico sem que haja graves lacunas: livros, papers ou anotações menos conhecidos podem eventualmente ficar de fora do estudo, pelo simples desconhecimento do idioma em que foram escritos.

(2) Traduções são necessariamente textos de segunda mão, interpretações feitas sobre uma obra: de certa forma, são textos sobre textos. Martin Heidegger e James Joyces, por exemplo, inventaram muitas palavras novas e, por isso, traduções de suas obras são sempre problemáticas. Neste link é possível conferir duas traduções diferentes de um trecho do romance Finnegans Wake (1939), de Joyce, e perceber como são radicalmente distintas.

(3) Em muitos casos, a bibliografia secundária, isto é, os comentários sobre a obra de um autor, é amplamente escrita no idioma em que a obra foi publicada – por razões óbvias. Isso vale especialmente para os comentários feitos pelos contemporâneos de um autor e quando o autor já morreu há algum tempo. Hoje, por exemplo, existe uma enorme quantidade de literatura secundária em inglês sobre a obra de Hegel; porém, os primeiros interlocutores de Hegel escreveram em alemão. Um trabalho sobre Hegel que ignore uma parte importante sobre as discussões de sua obra será necessariamente lacunoso, correrá o risco de apresentar velhas ideias como se novas fossem, e aparecerá como amadorismo aos olhos dos scholars (especialistas) em Hegel.

Não só é necessário ter conhecimentos de outros idiomas quando se estuda certos autores, mas também quando se estuda certas matérias e questões. Não é possível pesquisar seriamente sobre direito islâmico sem conhecer árabe; um bom exemplo é o professor Salem Hikmat Nasser, da Escola de Direito da FGV-SP, que escreve sobre direito internacional, inclusive direito islâmico; seus trabalhos (este paper é um exemplo) contém referências em árabe, além de inglês e outros idiomas.

História do direito é outra área que geralmente exige conhecimentos de alguns idiomas a mais: como durante a Idade Média o latim era a língua europeia mais importante, o conhecimento de latim é essencial para o acesso aos textos originais daquela época. Francês e alemão são seguramente línguas essenciais quando se estuda o desenvolvimento histórico do direito europeu durante a Idade Moderna. Nesse campo, Paolo Grossi é uma atual referência internacional.

Igualmente, tanto o estudo de autores como Aristóteles quanto estudo da civilização grega exigem a capacidade de ler em grego (e possivelmente em latim). Textos antigos ou o estudo de civilizações antigas exigem ainda mais a compreensão do seu idioma original. Isso não quer dizer que alguém não possa, por exemplo, estudar Aristóteles em português e até mesmo escrever algo de valor a partir disso; no entanto, o alcance desse estudo é inerentemente limitado e alguém que desconheça grego não pode esperar, por exemplo, fazer um doutorado sobre o conceito de justiça em Aristóteles sem parecer um amador para os especialistas no assunto – que formam uma comunidade internacional.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Ensinar e Pesquisar Exigem Inglês

A língua inglesa é o idioma acadêmico universal nos dias de hoje.

Gostemos ou não, e a despeito do fato de esse domínio não ser produto de um acordo, nem da qualidade do idioma, mas de desenvolvimentos geopolíticos e culturais (principalmente do fato de que a Inglaterra e os Estados Unidos da América terem ocupado papel dominante entre as nações no século XX), é um fato que o inglês é a língua franca da ciência – e dos negócios, o que são coisas interligadas, embora isso não venha ao caso aqui.

Durante a Idade Média até o início da Idade Moderna, o latim era a língua universal da ciência, por causa da influência do Império Romano e da Igreja Católica. Por exemplo: no século XVII, Isaac Newton, Descartes e Leibniz – três influentes matemáticos, cientistas e filósofos – escreveram suas principais obras em latim. Agora é a vez do inglês!

Por isso, para ensinar e para pesquisar, em qualquer área, é necessário no mínimo saber ler textos em inglês, para poder acompanhar o que é feito na respectiva área do professor ou do pesquisador.

Todavia, saber inglês não é suficiente para fazer um bom trabalho: em alguns casos, que discutirei em outra postagem, é necessário saber, no mínimo, além do inglês, também outros idiomas.

No Brasil, o Sistema WebQualis classifica os periódicos científicos de todas as áreas conforme sua qualidade e importância – em outra postagem pretendo discutir os critérios usados para isso. Em ordem crescente, da pior classificação para a melhor, os periódicos são divididos em C, B5, B4, B3, B2, B1, A2 e A1 (o topo do ranking brasileiro). A atual lista dos periódicos A1 da área de direito inclui 56 periódicos; desses, 21 têm nomes em inglês, incluindo o Brazilian Administration Review, que é um periódico brasileiro; esses nomes são uma estratégia de internacionalizar o periódico e sugerem fortemente que eles aceitam papers (artigos) em inglês, embora isso só possa ser confirmado com cem por cento de certeza caso a caso no respectivo periódico – o não quer dizer eles talvez não aceitem papers em outros idiomas. Outros nomes da lista estão em português, francês, espanhol e alemão – ainda assim, são periódicos que em regra aceitam publicações em inglês. Há, por exemplo, a Revista Direito GV, da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, que aceita artigos, resenhas e ensaios escritos em português, espanhol ou inglês. O Archiv fur Rechts- und Sozialphilosophie, um reconhecido periódico alemão que está na lista dos A1, aceita artigos em inglês, alemão, francês e espanhol.

Existe uma classificação internacional chamada SCImago Journal & Country Rank, que utiliza a base de dados Scopus – uma das usadas pela CAPES e CNPq para avaliar os pesquisadores brasileiros. Nesse ranking, na atualização mais recente, de 2014, os 50 primeiros periódicos da área de direito são dos Estados Unidos, do Reino Unido ou da Holanda – e mesmo os holandeses são em inglês.

Esses exemplos deixam claro que, se um pesquisador quiser saber o que está acontecendo em sua área ou se quiser publicar em periódicos de impacto e relevantes (acompanhados pelos melhores pesquisadores do mundo numa área), ela terá de ter o domínio do inglês tanto na leitura quanto na escrita – nesse último caso, é possível encomendar uma tradução, digamos, do português para o inglês, a fim de submeter um artigo para publicação; no entanto, isso não é desejável e deve ser evitado, por motivos óbvios, inclusive gastos financeiros.

Além disso, congressos e eventos acadêmicos internacionais são, na maior parte dos casos, em inglês. Se um pesquisador quiser fazer uma comunicação num congresso, por exemplo, provavelmente precisará saber falar e compreender sons em inglês – o que obviamente também lhe será útil para se comunicar com seus colegas.

Diante desses fatos, deve ter ficado evidente que para um pesquisador, inclusive na área de direito, o inglês é fundamental. Porém, talvez essa exigência não esteja totalmente clara para quem precisa ensinar. Na verdade, é simples: no Brasil, não há propriamente a profissão de pesquisador, então professores são também pesquisadores, em muitos casos; além disso, ensinar exige, entre outras coisas, o domínio dos conhecimentos de sua área, especialmente das disciplinas que o professor leciona, então o docente precisa estar a par do que é produzido em sua área; e, para isso, ele ou ela precisa saber inglês!