sábado, 29 de agosto de 2015

O Professor Anacrônico e seu Museu de Aulas Expositivas

O Professor Anacrônico é uma figura muito presente na educação brasileira, em todos os níveis. Ele é definido por aquilo que considera ser basicamente seu trabalho: “dar aula”, isto é, expor o assunto da ementa à turma, elaborar e corrigir provas, além de eventualmente tirar dúvidas das alunas e dos alunos. No atual século XXI, essa personagem é, sem exagero, uma peça de museu, assim como as pesadas armaduras de guerra, as máquinas de escrever e os telégrafos. Ou pelo menos é isso o que pretendo defender neste texto.

A oralidade foi a forma mais importante de transmitir informação e conservar a cultura, até o advento da invenção de Johannes Gutenberg, em meados do século XV: a prensa de tipos móveis permitiu disponibilizar a informação numa escala muito maior do que até então era possível, através da produção massiva de livros, panfletos e jornais. As primeiras universidades europeias (que ensinavam teologia, medicina, direito e “artes liberais”) surgiram entre o século XI e XIII e, nesse período, a produção de livros, originais ou cópias, era feita por um demorado processo manual. Nesse contexto, de escassez de meios de informação, as aulas expositivas não eram apenas úteis, mas necessárias para a transmissão do conhecimento acumulado.

Hoje, porém, temos meios de comunicação que eram inimagináveis para os professores medievais: uma quantidade enorme de material impresso e virtual, sendo que facilmente e por baixo custo é possível obter cópias de textos; diversos programas de rádio e televisão; sites de todo tipo e qualidade; blogs, redes sociais, canais online de vídeo, etc. Por isso, usar a sala de aula para quase somente expor conhecimentos acumulados é uma atividade que está em descompasso com as mudanças sociais desde pelo menos a época da invenção da prensa de tipos móveis. O Professor Anacrônico está desatualizado em 500 anos!


Uma aula que é quase somente a exposição de um assunto não é muito diferente da leitura de um livro. Algumas pessoas podem achar mais fácil aprender por uma explicação oral. Isso, porém, confunde a diferença de mídias com a diferença entre exposições de conteúdo: a diferença da explicação feita por um professor para a explicação lida em um livro é praticamente a mesma diferença entre as explicações lidas em livros diferentes, ou entre as explicações dadas por professores diferentes. O detalhe é que algumas pessoas acham mais cômodo ouvir do que ler – mas, para isso, elas não precisam de um professor, precisam apenas de um áudio. Um professor desse tipo, o Professor Anacrônico, é hoje tão dispensável, que a Universidade Jiujiang, na China, já começou a testar uma robô professora, capaz até de repetir alguma lição, se solicitada por um aluno.

A exposição de um assunto pode ser feita de forma organizada e sistemática através de vídeos, que podem ser vistos fora da sala de aula – o que representa uma economia de tempo em sala importante para o professor. Do ponto de vista didático, um vídeo bem feito geralmente é muito superior a uma aula puramente expositiva, além de ter a vantagem de poder ser assistido no momento mais conveniente, poder ser interrompido, assistido de novo quantas vezes for necessário, e ainda acelerado (acelerar vídeos em 1.5 ou até 2 vezes tem se tornado uma prática de estudo comum, porque força a concentração e poupa tempo da estudante). Ademais, repetir constantemente a mesma aula é cansativo e desestimulante para um professor.

Seria o Professor Anacrônico essencial para tirar dúvidas, elaborar e corrigir provas? Em termos. Como suas aulas expositivas vindas direto da Idade Média, a criação e execução dessas atividades passaram por mudanças nos tempos atuais: uma forma de auxílio bastante usada e estimulada em grandes universidades é a discussão entre pares, isto é, alunos, professores e staffs (professores auxiliares, estagiários, monitores, etc.) dialogam entre si para tirar dúvidas e discutir a matéria – plataformas de cursos online de alta qualidade, como a Coursera e a Edx, usam fóruns muito organizados para fazer isso. Essa abordagem educativa é contrária à antiga visão de que o conhecimento é transmitido, de forma vertical, da brilhante cabeça do professor para a vazia cabeça dos alunos, e coerente com uma visão contemporânea de que o conhecimento é produzido mediante discussão entre pares, e não mediante descobertas de coisas pré-prontas e imutáveis (como uma bola perdida, que alguém pode achar na sombra de arbustos e dar para outra pessoa).

Na mesma linha, a correção de certos tipos de prova pode hoje ser automatizadas, como já é no caso da maioria das provas de concurso público no Brasil e também no caso da maioria das atividades implementadas por plataformas de ensino à distância. Obviamente, por enquanto, é necessário haver alguém para elaborar as questões.

Vale observar que a correção usual de provas pelo professor é um processo cansativo, monótono e que toma tempo, além de ser, em muitos casos, desnecessário – como eu disse.

Se é tão dispensável, por que a espécie do Professor Anacrônico ainda existe em número tão elevado no Brasil? Por que não foi substituída por seres mais inteligentes ou máquinas, tanto no setor público quanto no setor privado?

Como se dá a educação através daquelas plataformas de ensino cursos online de alta qualidade? Como fazer esses cursos? Vale a pena?

O que significa essa discussão de conhecimento como algo pré-pronto e como algo construído pela discussão entre pares?

Como NÃO ser um Professor Anacrônico? Como deve ser a educação do futuro, ou pelo menos a educação adequada ao presente?

São perguntas para outros posts.

ATUALIZAÇÃO: A seguir um ótimo vídeo (legendas em português) do canal Veritasium que argumenta na mesma linha do meu texto,  sugestão do leitor Nagib:

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Apresentação – Ensino e Pesquisa em Direito

Embora eu não possa dizer hoje que tenho larga experiência com pesquisa e ensino na área de direito, certamente posso dizer que tenho alguma experiência nesses campos. Em diversas oportunidades, pessoal ou virtualmente, orientei e colaborei como pude com colegas – alunos ou professores – que precisavam de ajuda na produção e execução de aulas, atividades em sala e projetos de pesquisa. Participei da organização de um congresso nacional sobre ensino jurídico (do qual espero falar no seu devido tempo) e tenho estudado esses assuntos há algum tempo. Estive envolvido com ensino, pesquisa e extensão desde a minha graduação em direito.

Considerando esses fatos e percebendo a utilidade de uma plataforma acessível de discussão de assuntos ligados ao ensino e à pesquisa em direito, resolvi criar este blog.
Como futuramente defenderei, o ensino e a pesquisa em direito no Brasil têm muitos problemas e deficiências. Por isso, minha esperança com este blog é também colaborar para que essa realidade mude um pouco para melhor.

Neste blog estarão em discussão questões como:

1. Salas de aula em direito devem ser sempre usadas para o professor “dar a matéria”?

2. As aulas devem se limitar à exposição do assunto e a resolução de dúvidas?

3. Quais métodos e estratégias pedagógicas podem ser empregados pelos professores de direito? 
Quais experiências pedagógicas já existem em algum lugar, se é que existem?

4. Até onde vai a temática jurídica e onde ela termina? Os professores e as faculdades devem focar-se e limitar-se ao assunto estritamente jurídico? E como defini-lo?

5. O que são métodos participativos de ensino? Quais as vantagens que podem ter? E as desvantagens? Onde são usados? E por quê?

6. Como organizar uma disciplina?

7. Como realizar pesquisa em direito? Afinal, existe pesquisa em direito?

8. Usar estatística, explicações sociológicas e econômicas para fazer pesquisa em direito é mesmo fazer pesquisa em direito, ou é fazer estatística, sociologia e economia?

9. Quais as tendências internacionais em pesquisa na área de direito?

10. Como ser um bom pesquisador em direito? O que é um “bom pesquisador”?

11. Como produzir artigos científicos? Onde publicá-los? E como?

12. Como fazer um projeto de pesquisa para iniciação científica? E para um programa de pós-graduação em direito?

13. Como passar numa seleção de pós-graduação em direito?

Entre muitas outras questões.
Espero fazer publicações periódicas e também disponibilizar materiais úteis.
Ademais, tentarei sempre melhorar a aparência e as funcionalidades do blog, de modo que a atual versão é provisória.