domingo, 29 de março de 2020

Conclusão oficial do blog: balanço e resumo das ideias


Esta postagem é o anúncio oficial do fim da publicação de novas postagens neste blog e, portanto, será a última.

Aproveitando a ocasião do meu aniversário, resolvi escrever esta conclusão oficial do blog, que há mais de um ano não tinha uma postagem nova. Aqui farei um balanço das atividades do blog e um resumo das ideias que apareceram desde agosto de 2015, quando escrevi o primeiro texto.

Ressalto que a página Ensino e Pesquisa em Direito, no Facebook, continuará suas atividades. Este blog também continuará existindo, apenas sem novidades.

Quando o criei eu estava muito insatisfeito com a qualidade do ensino e da pesquisa na área de direito, especialmente em minha experiência pessoal. Na época eu fazia mestrado em direito na UFPE. Durante a graduação, conheci professores que não tinham qualquer compromisso com a profissão de docente, que a mantinham como uma espécie de grife, pois sua profissão principal era outra, como magistratura ou advocacia pública ou privada. Mesmo professores que se dedicavam somente ao ensino, inclusive quando estavam no regime de dedicação exclusiva, não eram muito melhores. Eu e meus colegas frequentemente sentíamos que estar presente em sala de aula era uma entediante perda de tempo e que fazíamos muito melhor por conta própria. Tive alguns bons professores (inclusive, tenho grande afeição por alguns deles), no sentido de que eram bons oradores e me faziam pensar, mas sua didática também não fugia muito do modelo de aula-palestra.

Portanto, para mim era evidente que havia algo de errado com o ensino do direito, que parecia preso à época em que faltava papel e o acesso à informação era escasso.

À medida que eu conhecia a pesquisa em outras áreas, como as ciências sociais, a filosofia e a ciência da computação, também me pareceu mais e mais claro que havia algo de errado com a pesquisa em direito, que se reduzia quase totalmente a propostas de interpretações jurídicas e que apresentava erros grosseiros, em termos de metodologia científica. Sendo sincero, a pesquisa em direito me soava muitas vezes como inúteis palavras ao vento ou falatório barato, um produto descartável, que, com sorte, chegava a ser usado em algum argumento vago de discussões forenses. Colocando de modo mais pomposo, uma retórica pseudocientífica.

A segunda metade da minha dissertação de mestrado foi dedicada à questão “Como deve ser a pesquisa em direito?”, colocada no contexto da definição do conceito de direito como forma de delimitar a Ciência do Direito - o que chamei de problema epistemológico e metodológico do conceito do direito, a definição de um objeto próprio para a investigação jurídica. Meu argumento era que o avanço da pesquisa em direito não dependia de uma resposta à pergunta O que é o direito?” nesse sentido amplo e que, na prática, a insistência na autonomia do direito acabava sendo prejudicial ao desenvolvimento da pesquisa em direito. Argumentei que a melhor pesquisa em direito existente era interdisciplinar por necessidade e despreocupada com demarcação de fronteiras. Várias postagens deste blog são consequência direta destas ideias, embora os textos acadêmicos em direito sejam tão ruins, que algumas das postagens insistem em coisas que seriam obviedades fora do departamento de direito, como, por exemplo, evitar adjetivações e louvores a autores ( “o grande jurista austríaco” etc.).

Ao longo de mais de quatro anos de atividade deste blog, as soluções mais importantes que sugeri para estes problemas foram: (a) em relação ao ensino do direito, o emprego de diversos tipos de ensino participativo, possivelmente combinados com aulas-palestras tradicionais - que podem, inclusive, ser gravadas; (b) em relação à pesquisa em direito, um giro em direção à interdisciplinaridade, buscando ter contato com as ferramentas e a prática científica (artigos, por exemplo) de áreas afins à sua respectiva pesquisa em direito (três postagens sobre isso são 1, 2 e 3, em ordem cronológica de aparição).

Uma curiosidade é que o blog foi acessado por usuários em pelo menos dez países diferentes, sendo a maioria do Brasil e, em segundo lugar, dos EUA.


A imagem a seguir mostra as dez postagens mais populares:


É curioso notar que a postagem mais visualizada é também a mais desesperançosa, em que argumento que a carreira de pesquisador é a pior entre as opções comumente disponíveis na área de direito. Não queria frustrar os desejos de ninguém, mas quis dar uma noção realista dos desafios envolvidos, bem como dos custos de oportunidade, em seguir essa opção de carreira em direito.

Minhas duas postagens favoritas e as que considero as mais importantes são sobre ensino em direito: uma explica por que o ensino do direito é anacrônico, e a outra apresenta o ensino participativo como solução, inclusive minha experiência em empregá-lo em sala de aula. Essa postagem, aliás, contém boas referências para quem quer aprender e experimentar técnicas de ensino participativo.

Nem tudo ficou como eu gostaria: por displicência, há postagens escritas em diferentes fontes; a periodicidade entre as postagens também não foi frequente como eu gostaria. Mas é o que é.

Gostei muito de escrever para o blog ao longo desse tempo e espero ter contribuído ao menos um pouco para a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa em direito no Brasil. O blog continuará no ar na web, então talvez venha a ser útil para mais leitores. Um fato que me marcou foi quando, num evento na Faculdade de Direito da UFPE, um professor da UnB me reconheceu no corredor lembrando do blog, um professor que me era desconhecido. Fiquei feliz por esse reconhecimento e em saber que meu trabalho tinha tido aquele alcance.

Agora eu faço doutorado em ciência da computação na Unibz, na Itália, o que por si só já me exige bastante. Pensando em outros projetos, tenho me afastado das questões em torno do direito, embora não de todo. Por isso estou fechando oficialmente este blog.

Para quem quiser entrar em contato comigo, tenho vários canais.

Agradeço a todas as pessoas que alguma vez já passaram por este blog e também às que ainda passarão. 🙂

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Programação para Advogadxs - FGV Direito Rio


Entre setembro e dezembro deste ano fui Research Fellow (algo como professor e pesquisador visitante) na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Durante o período, aproveitei para acompanhar uma disciplina que me chamou atenção: "Programação para Advogadxs" - esse era o nome. Nesta postagem quero falar sobre o que aprendi com a experiência, principalmente sobre ensino, e por que essa foi uma das melhores disciplinas que já cursei na vida.

Embora eu não tenha conseguido me matricular oficialmente, porque os prazos já haviam expirado quando cheguei, fiz todas as atividades da disciplina, que incluíam fundamentalmente três projetos.

A disciplina é ministrada pelo professor da FGV Direito Rio e líder do Núcleo de Ciência de Dados Jurídicos, Ivar A. Hartmann e pelo engenheiro-líder do Núcleo, Fernando Correia Jr. O site da instituição publicou uma matéria sobre a disciplina nesse semestre. Tal como entendi, os objetivos da disciplina são dois: (1) introduzir conhecimentos de programação em Python e em Banco de Dados (MySQL) úteis para as necessidades dos profissionais do direito, como automação de documentos e buscas em jurisprudência; (2) capacitar os estudantes para ter uma postura mais empreendedora, visualizando possibilidades de startups adequados à solução de problemas do mundo jurídico.

Eis o que quero pontuar de interessante e inovador na disciplina, bem como as lições pedagógicas que tirei dela:

1. É a primeira disciplina sobre programação em um curso de direito no Brasil. Depois surgiram outras iniciativas, como a da própria FGV Direito SP e uma na PUC-Rio, mas a FGV Direito Rio é a mais antiga (desde 2013) e bem estruturada.

2. A ideia não é formar advogados desenvolvedores, embora um estudante motivado possa querer seguir adiante nesses conhecimentos, mas formar juristas capazes de compreender os fundamentos das tecnologias atuais, capazes de dialogar com desenvolvedores, a fim de poder prestar melhor assistência jurídica. Se um advogado é versado nesses conhecimentos e advoga para uma startup ou para uma empresa de tecnologia consolidada, provavelmente vai se sair melhor como advogado do que se for completamente leigo em programação e tecnologias. Isso é uma visão rara em faculdades de direito, que, em sua grande maioria, estão formando profissionais do direito anacrônicos para um mundo completamente imerso na tecnologia.

3. Houve uma palestra sobre como fazer um pitch de sucesso dada por Caio Ramalho, professor da FGV e coordenador do Núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity. E houve outra palestra com Erik Navarro Wolkart, que falou do caso de sucesso de empreendedorismo do curso Ênfase, preparatório online e offline para concursos. Além disso, o terceiro projeto da disciplina, feito em grupos, consistia em fazer um pitch de uma statup legaltech/lawtech, uma apresentação não só perante alunos e professores, mas também para quatro convidados ligados ao setor de investimentos e startups; eles avaliaram os pitchs e escolheram um vencedor, que teve como prêmio seis meses de assessoria jurídica gratuita para levar a ideia adiante. Ou seja, houve uma imersão real no empreendedorismo na área jurídica, abrindo o horizonte dos estudantes de direito para possibilidades além da advocacia e do concurso público.

4. Há algo importante e geral a ser notado nessa forma de avaliação: a avaliação não foi feita apenas por um professor e a apresentação do pitch não ficou restrita à sala de aula, mas foi aberta ao público (ocorreu no hall de um dos andares do prédio) e direcionada especialmente para convidados/avaliadores experientes e especializados em negócios. A mesma lógica pode ser aplicada a projetos de outro tipo: imagine, por exemplo, um projeto no qual os estudantes precisam apresentar propostas de projetos de lei para parlamentares convidados; ou fazer uma apresentação sobre Direitos Humanos e Direito Constitucional em escolas públicas. As possibilidades pedagógicas são muitas.

5. O primeiro projeto (individual) exigia que criássemos um programa que, partindo da leitura de uma planilha (csv) com dados de clientes, gerasse automaticamente petições de Habeas Corpus (em txt) adequados para cada cliente. Dessa forma, aprendemos como era possível e de modo relativamente fácil automatizar a criação de documentos, seja por meio de perguntas, seja partindo de uma planilha - da qual se poderia gerar centenas de petições diferentes em questão de segundos.

6. O segundo projeto (também individual) exigia algo que se mostrou bem mais complicado: criar um programa que recebia um termo ou um conjunto de termos, e, procurando em uma pasta com 1501 decisões (em txt), devolvia as seguintes informações, para cada caso encontrado: (a) o nome do arquivo da decisão; (b) a data da decisão; (c) o nome do relator da decisão; (d) o trecho onde o termo aparece na decisão. Dessa forma, aprendemos como era possível fazer buscas precisas e rápidas dentro de uma quantidade de documentos com a qual seria impossível para uma pessoa lidar manualmente.

Cada projeto tinha especificações adicionais, que, na prática, o tornavam mais difícil, pois, além de resolver o problema, tínhamos que adequar a solução a certos padrões.

7. Nas aulas, aprendemos principalmente operações no Python relevantes para essas tarefas. A parte mais básica de Python ficou a cabo não de aulas em sala, mas de um curso online gratuito na plataforma Codecademy. Algumas aulas foram dedicadas para fazer os projetos em sala, recebendo assistência dos professores, e havia um dia na semana em que monitores nos auxiliavam nos projetos, para quem quisesse ir.

Como se vê, a disciplina é fortemente baseada em aprendizagem por projetos, o que, a meu ver, se mostrou uma abordagem estimulante e desafiadora. Os estudantes foram instigados a aprender, pensar e criar por conta própria, com a mediação de professores e monitores.

Certamente nem todas as faculdades de direito, incluindo públicas e privadas, possuem a infraestrutura de excelência da FGV Direito Rio. Porém, a experiência tão bem sucedida dessa disciplina mostra muito claramente como é possível ir MUITO além das tradicionais aulas-palestras e provas discursivas ou objetivas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Deficiências da Pesquisa em Direito e Como Superá-las


Os problemas da pesquisa em direito, em especial no Brasil, e como lidar com eles têm sido tema recorrente neste blog. Recentemente escrevi sobre isso na página do Facebook do blog e nesta postagem escreverei o mesmo, com alguns acréscimos.

Quais são as deficiências da pesquisa em direito? Sendo simples e direto, as principais são:

1. Imitação da forma e do estilo de manuais jurídicos;
2. Textos acadêmicos escritos como se fossem petições jurídicas;
3. Adjetivações e louvações a personalidades ditas “eminentes”;
4. Uso de fontes ruins ou de segunda mão, como textos de portais sem critérios científicos;
5. Afirmações não triviais sem suporte em dados de pesquisas ou baseadas em pouco suporte (por exemplo, o estudo de alguns poucos casos);
6. Carência de aplicação de sólidos e replicáveis métodos de pesquisa, como técnicas estatísticas conhecidas ou formalismos;
7. Falta de uso de ferramentas de análise bem estabelecidas: softwares como R, NVivo, SPSS, Excel, etc.
São problemas que não se restringem a iniciantes, como pesquisadores de iniciação científica, mas aparecem até nos trabalhos dos autores mais renomados da área, que, por sua vez, repassam seu modo precário de fazer ciência para estudantes com aspirações acadêmicas.

O que fazer para superar esses problemas? Dado que raramente os pesquisadores da área de direito são bons exemplos a serem seguidos em termos de pesquisa de alto nível, um olhar para fora do departamento de direito, onde há mais tradição e experiência em pesquisa científica, poderá ajudar. De novo, sendo prático e esquemático, eis o que pode ser feito:

1. Abandone a ideia de direito como esfera autônoma: como pesquisador(a), você está interessado em problemas e deve recorrer livremente a métodos e conhecimentos relevantes para a solução desses problemas, não importando a delimitação da área.
2. Mantenha-se familiarizado com as melhores pesquisas da sua área, consultando os trabalhos publicados nos melhores periódicos a nível internacional. O QUALIS ajuda nessa seleção, mas é uma classificação nacional e que tem seus próprios problemas. Uma classificação internacional é a da SJR: https://goo.gl/VJxyjR
3. Mantenha-se familiarizado com a ciência em geral, mesmo que por meio da boa divulgação científica. Fazer ciência envolve um modo de pensar e, para evitar cair nas armadilhas dos hábitos do mundo jurídico, é importante manter-se próximo do fazer científico paradigmático. Uma opção é acompanhar bons canais de divulgação científica no YouTube, como o SpaceToday, Primata Falante, Canal Do Pirula, Canal Nerdologia, Kurzgesagt, VSAUCE e outros.
4. Como adquirir métodos e ferramentas eficazes de pesquisa e que não lhe ensinaram no departamento de direito? Há dois caminhos básicos: (1) aproxime-se de áreas próximas a sua pesquisa, dentro da sua universidade, como os departamentos de sociologia, ciência política, economia ou informática; curse disciplinas nelas; talvez valha a pena ter até um co-orientador daí. (2) estude por conta própria através de cursos online, aproveitando plataformas como o Coursera, Edx e Udemy, por exemplo. Essa última tem um perfil diferente das outras duas, e se baseia mais em cursos curtos, não vinculados a grandes universidades. Essas plataformas são a resposta que você precisa para as insatisfações com a qualidade do seu curso.
E estou aberto para conversar com quem precise de alguma ajuda em relação à pesquisa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Site Acadêmico Profissional


A maioria dos pesquisadores bem estabelecidos internacionalmente possuem um site acadêmico profissional, no qual colocam informações sobre si mesmos, suas pesquisas, aulas, publicações, entre outras coisas. Além de ser uma forma de divulgar o próprio trabalho e ter uma espécie de portfolio, ainda pode ajudar no ensino, pois o site pode funcionar como repositório para ementas, bibliografia, e outros detalhes de cada disciplina que o professor já lecionou ou leciona. Às vezes esse site é do servidor da própria universidade, mas outras vezes é foi criado e hospedado em plataformas privadas como a Google.

Alguns exemplos:

Richard Posner - http://home.uchicago.edu/~rposner/

Catarina Dutilh Novaes - https://sites.google.com/site/catarinadutilhnovaes/

Livio Robaldo - http://www.liviorobaldo.com/

Thomas Conti - http://thomasvconti.com.br/

Pensando nisso, finalmente resolvi criar meu próprio site, usando a excelente plataforma do Novo Google Sites. Está totalmente em inglês.

O resultado vocês podem conferir no link abaixo.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

O que é um bom pesquisador


Entender o que é um bom pesquisador em direito é importante quando você procura um orientador, busca se aproximar de acadêmicos mais experientes e realmente deseja seguir os passos da pesquisa (tem certeza?). Cada área tem suas particularidades, mas em geral o que é ser um bom pesquisador se aplica a todos os campos de estudo.

Nesta postagem, vou explicar o que significa ser um bom pesquisador ou um pesquisador de alto nível ou um pesquisador importante ou qualquer coisa do gênero.

A ideia geral se traduz em resultados da pesquisa e seus impactos na área e na sociedade. Qualidades individuais não necessariamente fazem um bom pesquisador, como, por exemplo, dar boas aulas, falar alemão e ser conhecedor de música erudita.

1. O bom pesquisador possui artigos publicados em inglês em periódicos internacionais respeitados. Uma classificação internacional desses periódicos na área de direito pode ser encontrada no site da SJR. Como a avaliação das pós-graduações no Brasil e dos próprios pesquisadores é feita através do sistema Qualis de classificação, ter artigos publicados em periódicos classificados como A1 (o estrato mais alto) é indício da qualidade do pesquisador. Um bom pesquisador de ciências sociais, incluindo de direito, pode ter um perfil na SSRN, que facilita e agiliza o acesso aos seus trabalhos.

2. Entretanto, não basta ter artigos publicados nos melhores periódicos. Essa é a triagem inicial. A segunda triagem diz respeito à repercussão dos artigos: o bom pesquisador possui artigos que são altamente citados por especialistas do seu campo (e, em alguns casos, até mesmo de outras áreas), o que reflete a relevância e impacto dos seus trabalhos. Se, por acaso, o trabalho do pesquisador gerar repercussões sócias (uma nova tecnologia, uma nova legislação, políticas públicas etc.), então provavelmente esse trabalho também terá repercussão acadêmica traduzida em citações. No Currículo Lattes do pesquisador, é possível verificar essas informações (se houver).

3. O bom pesquisador sabe que, além da pesquisa em si e da incessante busca por respostas e resultados, deve apresentar seus trabalhos aos seus pares, e não só em periódicos: apresentações em conferências e eventos acadêmicos, que permitam a discussão crítica, também fazem parte da vida de um bom pesquisador.

4. Hoje a estrutura institucional da academia, cheia de pressão por produtividade, pode levar o pesquisador a se preocupar mais em publicar papers do que com a relevância da sua pesquisa. Entretanto, o bom pesquisador deve estar muito mais obcecado com problemas científicos, tecnológicos e sociais, e não com a publicação em si. A obsessão com problemas relevantes permite a criação de soluções relevantes, e isso separa as pesquisas realmente importantes daquelas que apenas preenchem periódicos e currículos.

O maior reconhecimento que um pesquisador pode ter é ver seu trabalho ter repercussão, acadêmica ou social – e essa repercussão pode atrair prêmios. Mas na área de direito existe uma prática comum que distorce o reconhecimento acadêmico e pode induzir novatos a erros na avaliação de um pesquisador: as homenagens. Não é raro ver congressos e eventos em homenagens a determinado professor, pesquisador, advogado e outras personalidades do mundo jurídico, que pouco ou nada acrescentaram à solução de problemas científicos ou sociais. O porquê disso é uma questão em aberto para uma pesquisa empírica sobre o assunto, mas provavelmente tem a ver com uma cultura jurídica que preza pelo fortalecimento de laços sociais como principal forma de ascensão profissional. Em outras áreas, grandes homenagens são raríssimas, e destinadas somente àquelas figuras cujos trabalhos geraram sério impacto – e às vezes mudaram o mundo para sempre.

Para exemplos de boas pesquisas e bons pesquisadores, ver as postagens:



Para evitar alguns erros amadores como pesquisador, ver aqui.

Se você é uma criatura persistente que, apesar de tudo, deseja seguir uma carreira séria da pesquisa em direito, as duas postagens abaixo lhe serão de ajuda:


sábado, 11 de fevereiro de 2017

Dicas para entrar numa pós-graduação em direito

O termo “pós-graduação”, em sentido amplo (lato sensu), se refere a tudo o que faz parte da sua formação educacional após a graduação e, de modo um pouco mais específico, à especialização, ao mestrado e ao doutorado. Em sentido mais estrito (stricto sensu), pós-graduação se refere ao mestrado e doutorado, ambos com o propósito acadêmico, isto é, de formar possíveis professores e pesquisadores, além de produzir conhecimento – diferente da especialização e do mestrado profissional, voltados para um aprimoramento do profissional na sua área de trabalho.

Aqui, trago algumas dicas para entrar num programa de mestrado ou doutorado em direito. Mas imagino que as dicas tenham validade geral para outras áreas.

1. Escolha por afinidade: Idealmente, escolha um programa com o qual você tem afinidade, isto é, tem interesse nas linhas de pesquisa ou onde possa desenvolver suas pesquisas de maior interesse. Isso porque pesquisar exige motivação e curiosidade, tesão pelo que se está fazendo. Caso contrário, a experiência pode ser bastante frustrante e as dificuldades terão um peso muito maior.

2. Atenção para o edital: Uma vez escolhido o programa (ou mais de um), o primeiro obstáculo que você precisa superar é o entendimento dos detalhes do edital. Isso vale para qualquer concurso. Por pequenos detalhes, como uma data, um documento ou uma exigência adicional, você pode ser sumariamente eliminado.

3. Tenha familiaridade com o programa: Você tentará ingressar numa das linhas de pesquisa do programa e conhecer os trabalhos feitos sob aquela linha é essencial para saber se tem afinidade com ela e para construir um projeto de pesquisa adequado. Você deve conhecer não só a produção acadêmica dos professores da linha, mas também as dissertações e teses defendidas ali. Tente entrar em contato, mesmo que por e-mail, com os professores, alunos e ex-alunos do programa, falando dos seus interesses e mostrando que conhece o assunto e os trabalhos deles: isso mostra iniciativa, vai lhe dar mais notoriedade na seleção (em vez de entrar como mais um desconhecido) e você pode receber dicas úteis – como saber que seus interesses estão ou não em sintonia com o dos professores do programa. Conheça o currículo de cada um deles e pense em possíveis orientadores.

4. Assista às aulas: Se puder, tente assistir às aulas (ou algumas delas) da graduação ou da pós-graduação lecionadas pelos professores da sua linha. Para isso, peça humildemente ao respectivo professor e deixe claro seu interesse e motivação. Assistir às aulas têm várias vantagens: vai lhe preparar melhor para a prova escrita (se houver) e vai lhe pôr em contato com o professor.

5. Faça um projeto consistente, mas considere a possibilidade de mudança: Seu projeto de dissertação ou tese provavelmente fará parte da avaliação na seleção e, por isso, precisa ser atraente, do ponto de vista dos professores do programa: mostrar-se viável naquele contexto (prazo, recursos e programa), estar minimamente dentro dos atuais interesses dos professores da linha, parecer estar em continuidade com outros trabalhos ali desenvolvidos, ser claro, curto e direto, e demonstrar por citações consistentes conhecimento dos trabalhos na área e dos feitos no programa. Todavia, tenha ciência de que às vezes é possível (ou até necessário) que você reformule totalmente seu projeto, com o apoio do seu orientador.

Se vai fazer a seleção da pós-graduação na universidade em que se formou, tudo ficará mais fácil – a menos que por acaso você tenha se tornado inimigo dos professores do programa ao longo da graduação. Considere se preparar ao longo do ano – as seleções geralmente são no segundo semestre. Se vai tentar em outra universidade, tente se planejar melhor e mais antecipadamente, pois não só você não foi educado naquele ambiente, mas também terá de lidar com problemas logísticos.

A seguir dois textos na mesma linha:


domingo, 11 de dezembro de 2016

O papel do orientador na vida acadêmica

O que deve fazer um orientador, na graduação e na pós-graduação? O que é um mau orientador? O que não deve fazer um orientador? Qual o papel e a importância do orientador na vida acadêmica e profissional do estudante? Nesta postagem tratarei dessas questões, considerando minha própria experiência na área de direito e relatos de colegas de áreas como ciência da computação, ciência política e outras. Agradecimentos especiais a Cleyton Rodrigues e a Jocsã Carlos.

Para simplificar a exposição e torna-la mais sistemática, falarei sobre boas e más práticas de orientação, separando o bom do mau orientador.

O Bom Orientador – ou boas práticas de orientação

1. Em particular na graduação, mas também na pós-graduação, o bom orientador ajuda a definir e moldar apropriadamente o tema no qual a estudante está interessada, pois ele tem a experiência e o conhecimento para indicar os caminhos promissores e os meios de tornar a pesquisa viável, se for – se não for viável, isso também deve ser alertado por ele. Dada a grande quantidade de informação, ter um mentor no meio de tantos artigos, livros e novas descobertas é uma necessidade para conseguir se encontrar.

2. É importante que a estudante tenha uma ideia clara do objetivo geral de sua pesquisa e o orientador tem muito a contribuir nesse sentido. O bom orientador não faz o trabalho pelo aluno, mas age como uma espécie de guia ou facilitador, ajudando a estudante a desenvolver sua própria autonomia intelectual.

3. O bom orientador é acessível e aberto ao diálogo com o orientando, realizando, ao menos eventualmente, reuniões e conversas para tratar do tema da pesquisa. Orientador não é professor particular, mas seu trabalho envolve também dar atenção ao orientando e leva-lo a sério – esse trabalho sério em conjunto às vezes leva a grandes realizações científicas. Por isso, aliás, não só o bom orientador, mas também o bom orientando aceitam críticas e diálogo acadêmico, com a humildade de quem busca por respostas e resultados científicos em parceria.

4. Compreender a humanidade do orientando, que, por sua vez, também deve compreender a humanidade do orientador: entender que cada um é uma pessoa cuja vida vai além da esfera acadêmica e profissional. Às vezes o orientando ou o orientador pode estar passando por algum momento pessoalmente difícil, como problemas emocionais, familiares ou financeiros, e sem uma compreensão mútua dessas questões, a parceria entre os dois estará fadada a ser repleta de tensões e fracassos. Ocorre às vezes de o orientando e o orientador criarem verdadeiros laços de amizade.

5. O bom orientador conhece seu campo de pesquisa, com o qual (preferencialmente) o orientando também tem afinidade, e possui contatos na área. Dessa forma, o bom orientador também ajuda a orientando na criação e no aumento de sua rede de contatos profissionais, colocando-o em interação com outros pesquisadores do Brasil e do mundo.

O Mau Orientador – ou más práticas de orientação

1. O mau orientador escolhe o tema e define os passos da pesquisa do orientando, o que acaba prejudicando na motivação do estudante para com a pesquisa, já que agora ele está fazendo algo que se assemelha a suas obrigações escolares, não mais algo que escolheu por interesse próprio.

2. O mau orientador é esquivo, raramente disponível para dar atenção ao orientando, sempre ocupado com toda a sorte de atividades que não seja a orientação: não responde e-mails, não atende telefonemas, nem faz reuniões, muito menos se dar ao trabalho de ler o andamento da pesquisa do orientando. Tive conhecimento de um caso em que a pessoa só falou duas vezes com o orientador ao longo de dois anos de mestrado, sendo que uma dessas vezes deve ter sido na defesa.

3. Trata o orientando como máquina: exige trabalhos e mais trabalhos em prazos extenuantes, e não aceita falhas. Descontente, briga e reclama com o orientando.

4. O mau orientador explora o orientando, de modo a fazê-lo realizar trabalho que deveria ser do orientador como professor e pesquisador, fazendo-o dar aulas e mais aulas, e assinando como coautor em artigos nos quais não participou.

5. Arrogante e de ego inflado, o mau orientador não aceita ser criticado por um “mero” estudante de graduação ou pós-graduação. Dono de um Ph.D. e pós-doutorados, ele se sente acima dos seus orientandos, em competência acadêmica.
Agradecimento pessoal

Por fim, quero fazer um agradecimento pessoal a todos os meus orientadores: os professores Torquato Castro Júnior, Gustavo Just e Fred Freitas. Eles foram e são fundamentais em meu desenvolvimento acadêmico e profissional, e muitas vezes me motivaram a persistir, quando eu queria desistir. Muito obrigado.